Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - CONVERSÃO - AÇÃO DE DEPÓSITO - PRISÃO CIVIL- IMPOSSIBILIDADE - No caso de descumprimento de contrato de alienação fiduciária, não cabe prisão civil do devedor,Segundo o Pacto de São José da Costa Rica, ratificado no Brasil pelo DL 27/92, é impossível a prisão civil por dívida, sendo a restrição de liberdade cabível somente em caso de inadimplemento resultante de obrigação alimentar.Na linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal (HC 76.561 e RE 206.482, julgados em plenário), passou-se a entender inadmissível a prisão civil do devedor na alienação fiduciária, haja vista a inexistência, na espécie, de contrato de depósito, de modo que necessária a exclusão da prisão civil como conseqüência do inadimplemento do negócio jurídico.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0569.05.002395-5/001 - COMARCA DE SACRAMENTO - APELANTE(S): BANCO BRADESCO S/A - APELADO(A)(S): LAMISA LAMINADORA SACRAMENTO LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUCIANO PINTO
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2008.
DES. LUCIANO PINTO - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. LUCIANO PINTO:
VOTO
Banco Bradesco S/A ajuizou Ação de Busca e Apreensão, com pedido liminar, baseado no decreto-lei 911/69, em face de Lamisa Laminadora Sacramento Ltda.
Disse que firmou com a ré instrumento particular de confissão de dívida, tendo sido dada em garantia, uma pá carregadeira Marca Fiat Allis, Modelo FR 11 B, série 00140 usada.
A fls.22 foi deferida a liminar requerida pelo autor.
Contudo, muito embora tenha sido deferida a liminar de busca e apreensão do bem, a despeito de inúmeras diligências, não foi o bem localizado, motivo pelo qual o autor requereu a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito. (fls.62).
A fls.64 foi determinada a expedição de precatória para busca e apreensão do bem, tendo o oficial de justiça informado que não conseguiu localizar o equipamento para busca e apreensão e também afirmado que o Sr. Walter Dismam disse que a pá carregadeira foi mandada para São Paulo, não sabendo o local certo.
A fls.74 o autor reiterou o seu pedido de conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito.
Houve a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito (fls.78).
Devidamente citada (fls.110) a requerida não se manifestou (fls.112), motivo pelo qual, o autor requereu o prosseguimento do feito com a total procedência da ação para que a ré lhe entregue o bem, sob pena de prisão civil de até um ano.
Após, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente a ação de depósito para condenar a ré a restituir o bem no prazo de 24 horas ou a importância de R$282.111,19.
A sentença não acolheu o pedido do autor de condenação da ré em prisão civil.
Daí o presente recurso, pelo qual o apelante insurge-se contra a sentença a quo, requerendo sua parcial reforma para acrescentar em seu dispositivo a cominação de prisão civil para a hipótese de descumprimento do mandado de entrega do bem ou equivalente a dinheiro.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Vejo não assiste razão ao apelante.
Estou em que não é possível a prisão civil por dívida do depositário infiel nos contratos de alienação fiduciária, pois se tratam de contratos atípicos de depósito.
Há que se destacar, desde logo, a diferenciação entre os depósitos clássicos, instituídos pelas normas civis, e o contrato de depósito proveniente da alienação fiduciária.
Na alienação fiduciária, o devedor alienante não recebe a coisa para custodiá-la e devolvê-la, mas para dela utilizar-se, não lhe podendo ser exigido que a entregue, salvo se deixar de saldar o débito cujo pagamento garante com que, no meu entendimento, equipará-lo à figura do depositário tem como objetivo, coagi-lo ao pagamento.
Não ocorre, in casu, a modalidade de contrato de depósito típico, a ensejar a aplicação da pena de prisão, o que há é mero pacto acessório como garantia de outro ajuste, sendo certo que os procedimentos de busca e apreensão e de depósito são utilizados no interesse de assegurar às instituições financeiras um meio eficiente de realização do seu crédito.
O Superior Tribunal de Justiça, também vem trilhando o mesmo norte, tal como se vê do seguinte precedente:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AGRAVO REGIMENTAL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - PRISÃO CIVIL - ILEGALIDADE - AUSÊNCIA DE COISA JULGADA
I - A prisão civil do alienante fiduciário é ilegal, pois "depositário infiel" só pode ser aquele do "contrato de depósito" tradicional (CC, artigo 1.265) que se torna voluntariamente inadimplente. Precedentes da Corte.
II - Omissis
III - Omissis." (AGA 286300/MS - 3ª Turma - Rel. Min. Waldemar Zveiter - j. 15.05.2.000)
Nesse passo, é de ver-se que a prisão civil tem sido objeto de tratados internacionais aprovados pelo Brasil, tais como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado em 24.01.1992, que dispõe em seu artigo 11: "Ninguém poderá ser preso apenas por não cumprir com uma obrigação contratual".
O Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil 25.09.92, reza, em seu artigo 7º, nº 07: "Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude do inadimplemento de obrigação alimentar."
Destarte, resulta clara a impossibilidade de cercear-se a liberdade de ir e vir de qualquer cidadão, com base somente na inadimplência em relação a um débito.
No julgamento do RESP 223.110, o STJ, o voto relatado pelo Min. Eduardo Ribeiro deixou ementado:
"ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - PRISÃO CIVIL"
A incorporação a nosso ordenamento jurídico das disposições do Pacto de São José da Costa Rica elimina a possibilidade de prisão civil, tratando-se de alienação fiduciária." (DJ 25.09.2.000).
Também nesse sentido:
"HABEAS CORPUS - PRISÃO CIVIL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA."
Segundo o entendimento do STJ, não cabe prisão civil do devedor que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária (Corte Especial, EREsp 149.518 e HC 11.918)." HC28070/RJ - DJ 09/12/2003, Rel.Min. Castro Filho, 3ª Turma.
Cabe salientar que inúmeros e reiterados são os julgados do E. STJ, que reconhecem a ilegalidade da prisão civil nos depósitos acessórios às garantias de alienação fiduciária prestadas em contrato de financiamento.
Este tem sido o meu entendimento, pois que se trata de expediente utilizado para intimidar o devedor a cumprir as obrigações assumidas, sendo certo que a expressão "depositário", a que se refere o Decreto-lei nº 911/69, juridicamente, não se equipara àquela em que civilmente se admite, compelir o devedor, mediante prisão, a restituir ou a entregar a coisa.
Veja-se o entendimento do E. STJ, quanto a matéria:
"ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - PRISÃO CIVIL
- A incorporação a nosso ordenamento jurídico das disposições do Pacto de São José da Costa Rica elimina a possibilidade de prisão civil, tratando-se de alienação fiduciária." RESP 223.110 (DJ 25.09.2.000).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AGRAVO REGIMENTAL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - PRISÃO CIVIL - ILEGALIDADE - AUSÊNCIA DE COISA JULGADA
I - A prisão civil do alienante fiduciário é ilegal, pois "depositário infiel" só pode ser aquele do "contrato de depósito" tradicional (CC, artigo 1.265) que se torna voluntariamente inadimplente. Precedentes da Corte.
II - Omissis
III - Omissis." (AGA 286300/MS - 3ª Turma - Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER - j. 15.05.2.000)
"HABEAS CORPUS - PRISÃO CIVIL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Segundo o entendimento do STJ, não cabe prisão civil do devedor que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária (Corte Especial, EREsp 149.518 e HC 11.918)." HC28070/RJ - DJ 09/12/2003, Rel.Min. Castro Filho, 3ª Turma.
Destarte, pelo exposto, estou em que não é possível a prisão do depositário nos contratos de alienação fiduciária em garantia, convertida a ação em depósito.
Isso posto, nego provimento ao recurso.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): MÁRCIA DE PAOLI BALBINO e LUCAS PEREIRA.
SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Data da Publicação: 18/03/2008
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